A ostensiva onipresença da homotransfobia

a-ostensiva-onipresença-da-homotransfobiaA violência homotransfóbica está em todos os lugares. Em nossas próprias casas, em nossas famílias, na escola, no trabalho, na rua, pode estar em um ônibus, no cinema, no teatro, na praia ou em uma caminhada pelo calçadão. A violência homotransfóbica tem muitas formas e graus de expressão e não tem alvo certo. Como toda violência, torna-se descontrolada e, incontrolável, atinge qualquer um, em qualquer lugar e sob qualquer circunstância. A homotransfobia é um monstro cruel e de muitas faces – uma criatura implacável, de muitos braços, muitas pernas e muitas cabeças – vazias ou cheias de questões mal resolvidas, de ordem sexual, psicológica e social, perpassa todas as classes, todas as instâncias, tem muitas habilidades e acha até que pode ficar invisível, passar despercebida. Não, não fica. Ela passa despercebida apenas aos mais desavisados. Para nós, seus alvos preferidos, mas não exclusivos, ela é bem chamativa, feia e assustadora.

E, sim, temos medo. Muito medo. Não um medo infundado, paranoico, inventado ou suposto. Nosso medo é muito concreto e nos chega através de palavras violentas, cerceamentos, sangue, dentes arrancados, carne rasgada, órgãos esmagados e ossos quebrados, quando não com a cara da morte.  Mas depois tudo se transforma em estatística. E eu quero rostos, quero vozes, quero histórias. Eu quero ver a gente que só quer amar. Quero ver as pessoas que por ousarem ser quem são, foram agredidas, apanharam e sobreviveram. Quero ver como carregam suas dores. Quero ver como andam pelo mundo, como caminham entre as gentes. Como olham para o mundo, o que pensam. Quero que nos digam por quais transformações passaram. Quero que venham a público falarem de seu enfrentamento cotidiano do medo, do rancor, do constrangimento, da vergonha, da raiva, da sensação de impotência. Todas essas coisas que ninguém quer ver, das quais ninguém quer saber.

A violência que sofremos nos chega sob tantas formas e por tanto tempo. Quando cada caso de agressão, de desrespeito, de morte, de ofensa, de negação de direitos termina em apenas um apanhado de números. Quando anúncios espalhados em outdoors dizem que não deveríamos existir. Quando todos nos dizem quem podemos ou não amar. Quando por toda nossa infância, adolescência e juventude nos cobram a respeito de quem namoramos. Quando não podemos ser quem somos no trabalho. Quando temos de esconder parte de nós na escola. Quando somos perseguidos na vizinhança, na família, no colégio, na faculdade. Quando propõem nossa cura absurda e inexistente. Quando não podemos beijar livremente quem amamos nas ruas. Quando andar de mãos dadas se torna uma temeridade. Quando mesmo um falar ao telefone precisa ser cercado de cuidados e disfarces. Quando nos apontam por nossas roupas, modos, vozes e expressões, quando somos as personagens principais de piadas caricaturais, ofensivas, que ridicularizam e estigmatizam.

Em todos os modelos de vida e janelas para o mundo, seja na TV, em filmes, revistas ou qualquer outro meio, se não somos estigmatizados ou esmagados pela heteronormatividade, sofremos, no mínimo, omissão. Desde muito cedo, de lembranças imemoriais, nos ensinam que somos um erro, um pecado, uma doença, uma abominação, uma aberração, uma perversão ou quaisquer outros dos tantos nomes com os quais se esmeram em nos rotular. Por tudo isso, é surpreendente que resistamos tanto a tantas intimidações, sem nos tornarmos pessoas absolutamente inseguras, vulneráveis e de baixíssima autoestima. É incrível superarmos tanta estigmatização e não aceitarmos viver segregados. É de uma força admirável que consigamos construir relações afetivas saudáveis, vidas profissionais de sucesso, carreiras sólidas, amizades duradouras e constituir família. É fantástico não enlouquecermos, não sucumbirmos à opressão que nos é imposta desde nossa mais tenra idade, sem data para término e por todos os dias de nossas vidas.  É absolutamente admirável nosso enfrentamento diário e mais ainda por se dar entre risos, danças, amores, alegria e uma inabalável crença em um futuro melhor.

@ivonepita

14 comentários

  1. É incrível mesmo, Ivone, quando tantos tombam ao nosso lado diariamente, A insistente patologização dos transgêneros tem prejudicado muit@s, inclusive transcrianças que começam achar que estão doentes. A transfobia tem gerado algumas síndromes, tentando adoecer quem só quer ser o que é. Parabéns pelo texto alto astra!

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  2. Sempre reta, direta e honesta nas palavras.
    Expressando a verdade que todos nós passamos ou podemos passar um dia ou em vários dias de nossas vidas., as quais são transgressoras dos supostos valores heterossexistas!!

    Parabéns Ivone querida!!

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    1. Obrigada, Lunna! Só nós sabemos o que passamos e ultrapassamos todos os dias e em uma luta interminável, mas seguimos firmes, ativista segurando e empurrando ativista! ;)

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  3. Pingback: COLltura
  4. Absolutamente excelente, Ivone! Obrigada por mais um texto inspirado. Escuta, posso reproduzir, inteiro ou em parte (e, claro, com todos os créditos e link pra cá, pra fazer um jabá rs), no blog do Diversidade Católica?
    Beijos
    Cris Serra

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