Apenas um aniversário

Há pouco mais de 20 anos conheci minha primeira namorada. Eu católica daquelas de sábado e domingo na igreja, homotransfóbica, tímida daquelas de ter vergonha da própria sombra, ela com o namorado, na festa de aniversário de uma amiga em comum. E o que seria apenas um aniversário como tantos outros, tornou-se um marco divisório em minha vida.

Nos vimos logo após minha chegada, olhamos uma para a outra: olhos brilhantes, sorrisos rasgados. Havia algo diferente. Olhei pro céu e implorei para o deus no qual eu ainda acreditava que não fosse verdade aquilo que eu estava sentindo. Ela, mais corajosa e sem as mesmas amarras, fez a aproximação que eu desejava mais que tudo naquele momento.

Começamos a namorar 20 dias depois e eu hoje nem lembro por que razão há esse intervalo, mas lembro que durante a primeira semana de namoro eu ligava para ela pela manhã para terminar a relação que implantaram dentro de mim ser errada, pecaminosa, anormal, doentia, mas que a noite estava mais feliz do que jamais havia sido, estando na companhia dela.

Ela ter suportado minhas crises de homofobia internalizada fez toda diferença para tudo o que veio depois entre nós e para que eu me tornasse quem sou hoje. E aqui penso como nós LGBTs não vivenciamos nossa adolescência, juventude e até a vida adulta como quem se alinha bem à heterocisnormatividade, como somos reprimidos, agredidos, violentados emocional e simbolicamente. E me emociono em pensar no que tive de vencer em mim mesma nestes últimos 20 anos até chegar nesta militante que vocês veem hoje. E choro de gratidão e amor por minhas amigas mais próximas, tão importantes e essenciais nessa caminhada de aceitação, reconstrução e fortalecimento.

@ivonepita

16 comentários

  1. Nossa! Como me vi em tuas palavras. É isso mesmo, nossa adolescência é de pura solidão e conflito. Que bom que vimos a luz e nos encontramos com pessoas maravilhosas e conosco mesmo. Abraços.

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  2. A delicadeza da historia e sua força esta definitivamente exposta. Acho muito complicado a falta de entendimento por parte de outras pessoas,não existem regras para se amar alguém. Por mais de 30 anos minha tia e sua parceira foram banidas da família, ate que convidei para serem madrinha e padrinho em meu casamento, o mesmo se repetiu com cada filho. Isso me custava criticas, brincadeiras maldosos, que eu simplesmente ignorava. meu sentimento por elas era de amor e companheirismo! Passado alguns anos, trabalhando no sistema Penitenciário me vejo responsável pela população LGBT, e ai sim começo a ver que a situação é critica, monstruosa e preconceituosa dolorosamente !Sou hétero, mãe de 2 filhos e tenho uma neta, hj luto contra a discriminação que ate eu sofro por essa luta. Espero que um dia as pessoas entendam que não se ama o que é regra, amamos simplesmente e só !

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  3. “Olhei pro céu e implorei para o deus no qual eu ainda acreditava que não fosse verdade aquilo que eu estava sentindo. ” …quantos de nós não passamos por isso! Levei tempos para admitir o que eu sentia, e depois disso, levei tempos para entender que eu não era a senhora do pecado. Eu era Testemunha de Jeová, acreditava em muitas coisas que a mim eram pregadas, a carta do Apóstolo Paulo a Corintios foi o ponto alto; “4 O amor é sofredor, é benigno; o amor não é invejoso; o amor não se vangloria, não se ensoberbece,
    5 não se porta inconvenientemente, não busca os seus próprios interesses, não se irrita, não suspeita mal;6 não se regozija com a injustiça, mas se regozija com a verdade;7 tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta”; mas quando o maior sentimento do mundo, o amor, foi tratado como algo terrível, toda essa crença foi deixada de lado, e dei espaço para o ser humano que sou hoje. A cada dia percebo que são tantas histórias em comum, e que são essas histórias, quando tratadas como experiência não modificam o ser humano que somos, mas nos faz conhecer o que realmente seremos por toda uma vida. Ivone Pita como sempre, me fazendo inconscientemente declarar algo, rs. É ótimo saber que não estamos sós.

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  4. Muito bem colocado Ivone, nossas crises internas. Qdo me descobri gostando de mulheres, no primeiro beijos e tals… fiquei em shock e me tranquei dentro de casa por uma semana. Foi muito traumatizante, pelos mesmos motivos q foi pra vc. Por causa dessa construção q nos impõem como sendo a correta. Hj é mais um motivo de orgulho ter ultrapassado mais essa barreira.
    Ahhh quem me tirou de dentro de casa foi um primo gay, a ajuda sempre vêm Ele me levou pra um bar chamado Bethania, e depois de uns 2 meses eu estava com uma namorada Mas sempre meio em pânico. Achava q meu pai tinha colocado câmeras nos quartos dos hotéis.kkkkkkkk E por mais q isso seja totalmente idiota hj, naquela época o meu pânico era real, me levando a torturas psicológicas enormes.
    Valeu Ivone, sempre tocando em pontos fundamentais para nos compreendermos cada vez mais.

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    1. Boa tarde Léo,essa conquista da vida,pela vida é uma sensação muito boa,mas tens uns que quando se assumem gostam de também atacar usando as mesmas armas da qual sofreram um dia…Mas vamos pelo lado do bem e do amor.Cada um nos seu cada um respirando o ar que te rodeia..Respeito e liberdade é bom.Abraços João guilherme da ROCINHA.

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  5. Minha história se confunde com a sua. Ler relatos assim me fizeram acreditar que todos nós gays estamos de alguma forma conectarmos uns aos outros por esse sofrimento de exclusão gerado pela homofobia. Esse sofrimento seria a nossa insígnia, nossa distinção. Mas as nossas histórias não pararam aí. Uma força de vida nos fez caminhar para fora da auto condenação, e nos levou em direção a uma felicidade e um conhecimento e aceitação de nós mesmos que poucos experimentam. E eu agradeço a Deus por essa força que você, eu e tantos outros tivemos. Essa força que nos faz assumirmos nossa sexualidade, é a mesma que nos faz querer sermos pessoas melhores, nos faz querer ajudar pessoas que passam por esse mesmo sofrimento, nos faz lutar por uma sociedade mais justa, nos faz optar pela verdade em todas as circunstâncias. Essa força nos motiva e nos faz acreditar no bem, no amor, na verdade, na felicidade. E eu creio que essa força é que nos conecta verdadeiramente, nos une mais que o sofrimento. Super beijo! Pedro

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  6. Nossas descobertas sobre quem somos e para onde vamos tornam a pergunta de onde viemos desnecessária. Penso que a ação primordial na vida deveria ser sempre em direção ao que nos torna melhores. Não um homem. Não uma mulher. Uma pessoa melhor, que faz o que ama, que está com quem ama, que vive o que ama. Neste ponto te vejo. E penso que levou o tempo necessário, nem mais nem menos. Fica com meu carinho.

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