No espaço de uma 3×4

eu-3-anos-ESTANem todas as pessoas trocarão suas fotos de perfil pelas fotos de quando eram criança.
Muitos de nós não querem lembrar da imagem que tinham, de suas próprias figuras,
sempre gerenciadas por terceiros e não por si mesmas.
Tantas destas e muitas outras preferem não relembrar a infância nem em fotografia.
Não há com o que concordarmos, o que aceitarmos ou aprovarmos.
É a história de dor única de cada ser que vai se virando como pode em seu próprio caminhar.
Muitas pessoas irão postar suas fotos ainda bem jovens, iniciando a vida que não poderiam supor.
Destas pessoas tantas olharão para si mesmas com dor. Tantas outras com alegria.
Tantas e tantas com melancolia, com saudade, com tristeza. E ainda assim desafiam a si mesmas.
Outras tantas irão colocar a foto de si quando jovem apenas para falar. Apenas falar.

E aqui estou eu, aos 3 anos de idade, na foto 3×4, feita para a carteirinha do jardim de infância,
em que fui tão feliz, onde vivenciei tantas descobertas, e de onde guardo tantas lembranças maravilhosas.
A foto ainda mantém as marcas do carimbo. As marcas. Sempre as marcas… boas ou más.

Eu, uma menina, como tantas outras, reprimida em sua sexualidade, em suas expressões de sexualidade
que um dia desejou vir homem em uma próxima vida para ter outra inserção social,
que logo aprendeu que era muito feio renegar a condição de mulher
e que deveria cumprir seu papel sem esta rejeição ao lugar que lhe diziam caber,
que olhava ao redor sabendo do que não fazia parte no caminho fechado e traçado,
que vivia o cotidiano sabendo qual sina se recusaria a cumprir.

Esta aí na foto é a menina de apenas 3 anos, a ela eu daria a mão hoje, se pudesse
e a esta menina diria para não se deixar ferir por tanta coisa,
para não ter os tantos medos que teve,
e não fugir covarde e dolorosamente em momentos cruciais, pois tudo daria certo.
Eu diria para ela resistir bravamente, pois um dia ela estaria aqui,
como essa mulher que depois de toda dor, toda travessia, todo enfrentamento
do mundo e de si mesma, tanto e tanto de si mesma,
se recusou e ainda se recusa a endurecer, a esfriar, a sossegar
e vive em exercício de diálogo, tolerância, compreensão e acolhimento
nem sempre alcançados, mas sempre perseguidos com toda humanidade de que sou capaz

Eu diria a essa menina que aquela casa e aquela família com todo o conservadorismo, todas as dificuldades,
com todos os ensinamentos de pais zelosos e todo o amor deles recebido, eram as ideais, pois aqui estou hoje.

Que toda travessia valeu e a cada dia vale mais.
Que mantenho o amor. A amorosidade. E que me anima e alegra o desassossego,
pois é com ambos que sigo em absoluta paixão pela vida e suas pessoas.

@ivonepita

7 comentários

  1. Lindo Ivone, já postei minha foto quando pequena, mas não gosto das lembranças desta época, mas sei que o que sou hoje uma boa parte deriva desta fase de minha vida, tanto as coisas boas como as ruins, não seriamos humanos se não tivéssemos vivido os dois lados da moeda. Adoro suas postagens elas tem me ajudado a tomar decisões que a muito deveriam ter sido tomadas, Obrigada e um Feliz Ano Novo, continue como você é, bjs

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  2. Tô aqui chorando no trabalho! E minha chefe: o que houve??? Nada não, apenas duas crianças lindas que cresceram e que me ensinam muito….

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  3. E agora? Como é que eu paro de chorar. Sei que não ando comentando como eu gostaria em seus textos e esse é mais um dos quais me toma a alma. Eu serei um dos que não mudará a foto do perfil. Não porque tive uma infância triste, pelo contrário. Fui bem feliz. Feliz até o momento que ouvi pela primeira vez: “VIADINHO! Porte-se como um homem! Não rebole essa bunda quando dança! Seja MACHO!” Feliz até o momento que percebi que minha diferença era motivo de escárnio no colégio e aquele menino de cabelos cacheados cresceu. Cresceu e perdeu os cachinhos, ostentando hoje uma calvície hereditária. Aquele menino que frequentava a igreja evangélica e estava predestinado a ser um jovem pastor por toda a benção do Espírito Santo que falava comigo. Não! não era ele. Era meu amigo imaginário que teimava em não ir embora e permaneceu comigo até os 15 anos de idade, época da primeira libertação: EU SERIA FELIZ SENDO VIADINHO A QUALQUER CUSTO! E assim foi dito! Abracei o mundo como se ele pudesse ser abraçado com braços, boca e pernas. Quanta maluquice! Estou feliz! Não sou feliz! Entre caixas de remédios e cervejas e cigarros e trabalhos… e filho… e alunos… e militância árdua… e choro! De todos os vícios o que mais me custa o preço alto é permanecer estando feliz. E agora choro, pois poderia ter andado de mãos dadas com essa garotinha da foto, e ter brincado… e ter aprendido mais cedo que sou forte… e ter tido a consciência de todos os atos. E choro! Mas um choro de libertação e paz. Até quando paz houver naqueles que vivem num inferno pessoal ou coletivo. Um dia, passará! Já fui passarinho…

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    1. Germanno querido, vc acaba comigo! rsrsrs Que lindo seu depoimento. Quando lecionei para jovens e adultos todos tinham histórias muito tristes e todos tinham histórias muito felizes. Tive minhas dores e tristezas, tive minhas lindas descobertas e alegrias imensuráveis. Tivemos. Tenhamos sempre. E como digo: sigamos. Com força, com amor, de mãos dadas com nossos pares. Um beijo! <3

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